agosto 30, 2006

TE SENTES DIFERENTE ENTRE OS DEMAIS

«Haverá poucas coisas mais urgentes do que visitar o sítio oficial de Ana Malhoa. Ao cimo, à direita, estão dois botões: um para quem quer percorrer a página ao som da, digamos assim, música de Ana Malhoa, e um outro para quem deseja manter-se saudável. Há que optar bem. Somos recebidos (como se fôssemos dignos de tal honra) pela própria cantora. Percebemos imediatamente que chegámos em má altura, uma vez que apanhamos Ana Malhoa em cuecas – mas não é por lamentarmos o sucedido que deixamos de prosseguir. Diante de nós está, de facto, Ana Malhoa, de microfone na mão, dedicada àquilo que melhor sabe fazer: estar de boca aberta. Como veremos adiante, Ana Malhoa revela uma pertinaz incapacidade para se deixar fotografar com a boca fechada. Já lá iremos. Por ora, detenhamo-nos um pouco mais neste estupendo frontispício. Uma inquietação mortifica os visitantes (mesmo aqueles que já desligaram a música). Ana Malhoa apresenta-se com a mão na anca, e parece evidente que está aos gritos. O que falta aqui? A resposta é óbvia: falta uma canastra de peixe para vender. E é isso que inquieta.
O leitor atento nota ainda que a fotografia contém uma proposta (talvez mais que uma, mas só esta é que se pode verbalizar em público): Ana Malhoa propõe que o espectador relacione, por associação das expressões faciais, a identidade da artista com a do animal que traz estampado na camisola. O projecto, contudo, não é totalmente bem sucedido: se a boca e o sobrolho estão parecidos com os do tigre, já o olhar inteligente do bicho foi impossível imitar.
Agora, é indispensável visitar a secção “Foto”. Numa análise preliminar, dir-se-ia que o que mais surpreende e entusiasma, em Ana Malhoa, é o modo como o sublime e o rasca habitam a mesma morada – embora por vezes seja preciso estar mesmo muito atento para dar com o sublime. É aqui que percebemos a filosofia do sítio oficial de Ana Malhoa. Dito simplesmente, o que está em causa não é a música, é o traseiro. O rabo de Ana Malhoa é o grande protagonista da página, o que me é, aliás, muito conveniente. Em música serei um leigo – mas de nádegas, meus amigos, de nádegas percebo eu. Talvez seja importante começar por salientar que, em rigor, as nádegas são uma especificidade do ser humano. Há na natureza quartos traseiros, há chambão, há pernil? Há. Mas aquilo a que se chama nádega, a convexidade glútea tal como a conhecemos e amamos, só a posição erecta consegue proporcionar. Eis as três características exclusivas da humanidade: a consciência da morte, a capacidade de rir, e o cu. Sendo que, volta e meia, aparecem associadas: pessoalmente, já me ri de alguns rabos; perante outros, tive a percepção aguda da finitude (por exemplo, pensando: “Diacho. Muito provavelmente vou morrer sem palpar aquelas nádegas”). Portanto, quando Ana Malhoa subordina o seu sítio oficial ao rabo, está a ser, talvez, demasiado humana. Mas, ainda assim, original. Há várias representações de nádegas na história da arte, desde a esteatopigia da Vénus paleolítica até às Três Graças, de Rubens. Porém, nenhum artista teve a ousadia de representar o rabo como Ana Malhoa. Refiro-me, especialmente, à fotografia em que, de fato-de-banho e saltos altos, a cantora exibe o rabo agarrada a duas cadeiras, enquanto dirige ao espectador um olhar desconfiado por cima do ombro. Uma observação cuidada do rabo (e eu fi-la) revela uma faixa branca, não crestada pelo Sol, na base das nádegas. Essa faixa láctea é todo um manifesto. Como se, por intermédio do rabo, Malhoa nos dissesse: “Possuo umas nádegas tão fartas que até o Sol tem dificuldade em tisná-las todas.” Quantas mensagens há, por essa Internet, mais interessantes do que esta?
Chamo também a atenção para as fotografias de Ana Malhoa no banho. Muitos e bons pintores têm representado banhistas mas, uma vez mais, nunca como aqui. É uma vergonha para Cézanne, Picasso, Courbet e companhia, mas nenhum deles alguma vez se lembrou de pintar uma banhista num chuveiro com azulejos cor-de-rosa. Depois de contemplar Ana Malhoa no banhinho, parece-me óbvio que todo aquele que busca a beleza não pode continuar a negligenciar o poliban.»
by R. Araújo Pereira

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