novembro 09, 2008

Luisa, a ama

E isso lembra-me... tive de certo modo uma Nanny McPhee, mas a minha chamava-se Luísa. Era parecida com a Eva Wilma, mas mais gordinha. Quente, corpo de mãe. Gostava tanto da Luísa...

A minha mãe foi dondoca até ao ano em que nasci. Até 80, dedicou-se a passear com os filhos, comprar-lhes roupas, tirar-lhes fotografias lindas no parque eduardo VII empoleirados em troncos de árvores e depois revelá-las, tornando-os mais louros, mais angelicais (os meus irmãos sempre foram lindos, mas bem que se lixa que o mais lindo é o mais moreno de todos). Ler-lhes em inglês, francês e mais alguma coisa (português, quiça... com sorte) tiradas pseudo-intelectuais que segundo ela são responsáveis pelo grau de inteligência dos filhos (dos 4 primeiros)... não sei bem o que isso diz de mim, na sua opinião.

A partir de 80 foi para a empresa do pai, prevenir o desfalque perpetrado pela ovelha negra da família (todas têm uma).

Eu, desde que tenho memória, me vejo no escritório a olhar atentamente o meu pai. Rodeado de luzes amareladas, quentes, a ler. Ou então com a Luísa... a pedir-lhe para me ensinar a coser, a passar a ferro, a tricotar. Desde pequena que sou estúpida, deve ter sido à conta do pouco Baudelaire.

A Luísa era de certo modo a minha mãe. Por ela tinha o amor que penso ser normal sentir-se por uma mãe. Com a minha mãe sempre foi mais uma veneração, parcimoniosa, distante como convém.

Lembro-me de estarmos de férias, e a ir pôr de bicicleta à estação do estoril, onde diariamente apanhava o combóio de volta para casa. Acho que sempre fui uma criança meio inadequada. Não me sentia bem com quem devia. Era com aquela velhinha meiga e calorosa, que me sentia melhor. A pregar-lhe sustos, a dar-lhe e receber beijinhos, a ouvi-la, a aprender dela as coisas mais idiotas e nocivas, que ainda hoje são as que me aquecem o coração de recordar... carcaça com manteiga e açucar por exemplo...

Quando eu tinha uns 8 anos, ela foi-se embora, por motivos dela (a família dela afinal não éramos apenas nós). Lembro-me de uma vez dizer à Luísa que ela podia ficar a morar connosco. Ela e a minha mãe sorriram-se e tomaram por altruísmo o que era o mais profundo egoísmo.

Nunca mais soube dela. Não é compreensível para quem não viva na minha pele e não tenha vivido a minha infância na minha pele, mas nunca lhe telefonei por vergonha. Vergonha de pedir à minha mãe o telefone da Luísa, vergonha de pedir para telefonar à Luísa. Não me recordo de ter vergonha de falar com a Luísa. Ia sabendo notícias quando a minha mãe falava nela, por lhe telefonar ou vice-versa.

Talvez com uns 15 anos tenha sido a primeira vez que tive coragem de perguntar pela Luísa. A última vez que perguntei, talvez há uns 6 anos, a minha mãe já não me soube responder.

Será sempre a velhinha de 60 e qualquer coisa anos que faz uma das minhas primeiras memórias, que faz as minhas melhores memórias.

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