Desde há cerca de 2 ou 3 anos que já sabia que o meu coração era diferente... descobri-o numa operaçãozinha de nada, sem perigo algum, que me levou a passar uma noite em vigilância porque mantinha uma frequência cardíaca entre os 35 e os 50 bpm aliada a umas giríssimas extrassístoles (batimentos supranumerários... arritmias no fundo)...
Andei 2 anos nisto, a fazer exames, à procura de falhas estruturais... e nada (melhor assim... o prognóstico seria pior se houvesse falha estrutural)... chegou-se à conclusão que era o "circuito eléctrico" do meu coração que tinha uns fiozinhos a mais... e que passavam a vida a mandar ordens ao coração para bater quando deviam estar quietinhos e deixar os seus capatazes (os famosos pacemakers fisológicos) tratar disso... uma espécie de epilepsia (um foco de neurónios que despolariza e envia corrente eléctrica de forma desregrada) mas no coração.
Ontem finalmente fui tratar do assunto... um procedimento simples, que envolve ter 3 catéteres dentro do coração, que lá chegam via veia femural (incisão feita na virilha), a construção de um mapa 3D do coração, em que os focos de extrassístole, por mecanismos fascinantes mas que não vale a pena entrar agora, são representados a cor diferente dos demais... e assim se demarcou a zona do meu coração que deveria ser queimada... uma zona de 8mm por 1cm, na câmara de saída do ventrículo direito...
E depois foi queimada... e de início a dor era suportável... seria apaziguada se respirasse fundo, mas não podia porque desviava o catéter do lugar... então respirava superficialmente como se estivesse a ter um filho... e depois a dor tornou-se progressivamente pior. A dada altura não consegui efectivamente suportá-la e desmanchei-me a chorar... e surge o comic relief: a médica que estava comigo, a manusear o catéter, disse para o médico que estava junto do computador a ordenar "a queimadura": «Dr. A.... está a doer muito! Dr. A.!» ao que ele responde «E então?! O que é que eu faço?!» e ela «Páre?!?»...
Segunda investida também dolorosa terminou com alguma coisa na minha caixa torácica a estalar (uma articulação qualquer presumo eu), no meio de nova respiração superficial a ritmo alucinante e mais lágrimas, e a mesma médica a dizer o que me pareceu um termo de código que mais uma vez serviu como comic relief: «Dr A. clop clop!» e eu, no meio disto tudo pensei... «clop?!... como no allô allô "One, two, three clop"?!...»
Enfim... conclusão, aparentemente estou curada, o meu coração passou de bater em ritmo de samba para bater em ritmo de merengue e jurei para nunca mais... tirando a dor física, o que mais me custou ouvir foi "não sabemos se dará para abolir completamente o foco, porque é uma área muito extensa"... e é essa lembrança que mais me dói, porque dor física leva-a o tempo...
Faço este post como desabafo e futuro registo, e não para ouvir palavras amigas que me façam sentir como uma coitadinha... e por isso mesmo nem ponho a opção dos comentários... mas queria agradecer-te a ti I. pela seca que passaste à minha espera para me dar boleia de novo para casa... nada me soube tão bem alguma vez quanto sair daquele hospital.