outubro 29, 2005

O emplastro

Só mesmo porque o prometido é devido... porque cheguei à conclusão que as palavras não lhe fazem justiça... ao ler uma descrição de alguns dos momentos vividos com o emplastro, a reacção mais provável é a pena... eu também a teria... eu também a tive, excepto em cada segundo que agonizava do lado dela (sim, o emplastro é uma ela...), mas à distância sim, tinha pena.

Passo então a apresentar o emplastro... a V. foi-nos atribuída como colega no estágio em Beja, basicamente porque era onde cabia... na 2ªfeira de 1º dia de estágio, chegamos lá e lá está a V., uma senhora de 40 anos mas que dizia ser muito jovem e nós acreditámos e esforçámo-nos por a fazer sentir integrada...

Conflito inicial: cunhado de V. diz que se ela precisar de alguma coisa para dizer... a B. (minha colega) diz "ela está muito bem entregue" com um sorriso simpático... cunhado de V. responde "vamos ver..." com o ar mais antipático na cara... (desconfio que ele saberia o quão "especial" a V. é... ou então era só mal educado...)

No decorrer do 1º dia (não foi preciso muito mais) a V foi tendo atitudes um pouco incomodativas e invasivas do espaço pessoal... nomeadamente:
- ficar a olhar para mim ou para fosse quem fosse que estivesse disponível, em silêncio... a mim incomoda-me não sei bem porquê... talvez porque seja um nadinha psicótico-like...
- assim que via alguma coisa de apontamentos ou trabalho ou no portátil, depreendendo que eram apontamentos que certamente lhe seriam ocultados por nós colegas malvados, saltava para cima de nós, aproximava a cabeça a uns míseros 5cm de nós e dizia "isso é o quê?!"... chegou a fazer-me isto enquanto eu escrevia no computador, um documento pessoal...

Os dias somaram-se e outras atitudes da V. começaram a ser progressivamente e cumulativamente (admito) mais incomodativas... os arrotos (sim, para quê eufemismos?...) persistentes, que numa ocasião, de tão próxima que ela estava de mim, além de o ouvir, senti o ar na minha mão... o facto de não tomar banho todos os dias e de isso se notar no seu odor... o facto de deixar cabelos no ralo da banheira (no único dia das 2 semanas em que lavou o cabelo)... o facto de comer iogurtes, lamber as colheres, passá-las por água e voltar a pô-las no escorredor... o facto de tudo ser usável para ela passando apenas por água, numa casa que estava nojenta e com clara necessidade de limpeza... o facto de na ocasião em que fiz o meu prato favorito, depois da massa que era matéria prima se ter derramado no chão com a tijela estilhaçada, ela querer aproveitá-la... o facto de ter dado 1 crepe e meio a cada pessoa (fartura!) devido a este acidente e ela "dividir" comigo e deixar-me um canto... o facto de se colar a nós como se tivéssemos alguma obrigação de servir de ama-seca a uma mulher adulta de 40 anos... o facto de depender de nós como se fosse uma criança, até para as coisas mais básicas... o facto de termos tido que depender dela para fazer a entrevista clinica para o trabalho de grupo (porque mais nenhum de nós tinha um doente adequado ao tema), lhe termos preparado um guião com perguntas a fazer, de eu lhe ter dito algumas perguntas essenciais mas básicas a fazer, de ela ter ficado a olhar para mim, e quando lhe disse para ela escrever ela ter respondido "não vale a pena... não me vou esquecer disso", de eu ter insistido e de ela nos ter aparecido sem a resposta a essas perguntas básicas e essenciais porque se tinha esquecido, apesar de ter acabado por as apontar... tanta coisa (que até já tinha escrito aqui, mas que a blogger resolveu perder no meio de um seu atrofio...).

Na 2ª semana (sim, porque isto foi só numa semana mesmo...) as coisas mudaram um pouco, porque tentámos dar-lhe uma 2ª oportunidade... tentámos ter menos má vontade para com ela (que entretanto tínhamos notoriamente e inevitavelmente), tendo em atenção a situação dela: uma mulher de 40 anos, que após uma pausa de 10 anos tentava concluir o curso, sem conhecer colegas nenhuns, com uma condição psiquiátrica crónica cuja medicação a tornava completamente apática (e esta foi a única novidade do fim de semana, porque as anteriores até as conheciíamos e foram elas que justiicaram o nosso esforço de início)... e tentámos... a B. achou que ela mudou nessa 2ª semana (o F. e o C. acharam que foi porque ela parou de tomar a medicação *risos*)... eu pessoalmente não achei... achei sim que ela desviou a atenção centrada na B. e a passou para mim... e se eu já tinha pouca paciência para a invasão de espaço privado que ela me fazia antes, pior se tornou na 2ª semana... mas continuei a esforçar-me, embora já não conseguisse ter sequer um tom simpático... fazia coisas simpáticas como oferecer-lhe apontamentos, recomendar-lhe o que ler e o que não ler (depois de eu já ter perdido tempo a ler) porque seria perda de tempo para ela... mas o tom nunca saía simpático e tenho plena noção disso...

Além da invasão que ela diaria e constantemente nos fazia, acresce o facto de eu achar algo incompreensível porque é que alguém que era a que menos trabalhava de nós todos, apenas umas 3h diárias, que passava o dia inteiro em casa, não tendo o relatório de estágio nem o exame para fazer ao fim da semana, não teve uma única vez a iniciativa de limpar o que fosse ou de cozinhar o que fosse... e ainda por cima uma suposta dona de casa... eu fi-lo quase diariamente e não sou mãe de ninguém, mas apenas pelo prazer de cozinhar e por ser das únicas que o sabia fazer, e no outro parâmetro por ser talvez a mais incapaz de viver no meio de porcaria sem fazer nada quanto a isso...

Fiquei em parte feliz por ir para o Alentejo, porque achei que iria descansar fisica e psicologicamente, por ter menos trabalho, por estar afastada dos conflitos familiares e domiciliares... e fui trabalhar como não queria até receber por isso (oh pois!...) e apanhar com um suga-energia diário que me fez ter saudades de casa... mal ou bem, devo concordar com a Dorothy (even without my ruby slippers): there's no place like home...

Sem comentários: