Possivelmente sou do contra. Aliás, não é uma possibilidade, é uma certeza, sou do contra. Adoro fazer de advogada do diabo, simplesmente porque gosto sempre de ver os dois lados de qualquer questão e defender o óbvio não só não tem piada nenhuma, como seria apenas mais uma das vozes do coro.
Gosto de assinalar o que os outros não atingem, não estão sensibilizados para ou simplesmente não têm a coragem ou frontalidade necessárias para o fazer. Serei possivelmente uma criança megalómana em idade de armário para me sentir tão bem em me demarcar dos outros mas o que é certoé que em muita coisa da minha vida ajo em função desta vontade, necessidade ou crença.
Felizmente gente medíocre e fraca abunda e esta demarcação acaba por me tornar melhor pessoa.
Ando desconsolada com o que vejo nas pessoas à minha volta. Colegas de trabalho nomeadamente. Falta de formaçao (enquanto pessoas, enquanto profissionais até). Boas vontades, bonacheirices e solilóquios não substituem a essencial educação, respeito pelo outro e conhecimento técnico e teórico daquilo que é o seu
milieu.
Custa-me deixar cair as pessoas do pedestal em que vezes demais as ponho. Por ingenuidade. Por complexo de peter pan. Por complexos
edipianos mal resolvidos. Quem(ou aquilo que) ganha a minha admiração, ganha inevitavelmente uma acérrima defensora e gestora de marketing, não descanso enquanto não convencer todos à minha volta de que aquilo que defendo é de facto o melhor.
Mas essa ingenuidade e amor àquilo que me conquista o respeito, pela admiração, fazem com que vezes demais me precipite. Como uma adolescente que ao 2º dia de namoro espalha que encontrou o amor da sua vida, repetindo a constatação a cada novo namoro com 2 semanas de validade.
Posso não ser a mais estudiosa, a mais
uptodate, a melhor técnica... mas sou a melhor pessoa, a mais educada e atenciosa para com doentes e colegas e profissionais com que me cruzo. Cada vez me sinto melhor comigo mesma por isso. Cada vez mais reafirmo para mim mesma que é assim que quero ser, que é este o rumo certo. De cada vez que com um sorriso me agradecem a atenção de dirigir uma palavra explicativa ou de sossego, de cada vez que vejo esse efeito em doentes e familiares, de cada vez que sinto que fiz tudo ao meu alcance para descansar ou pelo menos elucidar quem tinha à minha frente. Sinto-me bem como pessoa. Sinto que sou filha do meu pai. Sinto que o honro como ele sempre me honrou a mim, como todos os dias me honra. Percebo, ao fim deste tempo todo, que sermos o cunho dos nossos pais em nós é positivo, é sinal que nos ensinaram os val0res com que sempre viveram a sua vida e com os quais ganharam o respeito de todos os que os rodearam, inclusive os seus filhos.
E sinto-me estúpida. Terrivelmente estúpida. Por nunca te ter dito tudo isto. Por enterrar palavras e sentimentos dentro de mim como se fossem tesouros preciosos, de forma egoísta. Por não me dar, por não me entregar. Por medo de rejeição, por medo de ser rejeitada por quem nunca me rejeitaria, por quem sempre teve braços e coração aberto.
São os medos que nos atam, que nos calam. Os meus paralisam-me, congelam-me numa forma de estar asséptica e impessoal. Tenho receio que nunca me tenhas conhecido. Que nunca tenhas visto o teu cunho em mim, que nunca tenhas visto em mim a tua ovação.